domingo, 29 de maio de 2011

Depoimentos dos companheiros que participaram da resistência na Barra do Riacho

 Socializamos os depoimentos de nossos companheiros que acompanharam a ação criminosa do Estado na Barra do Riacho.

Gustavo de Biase – Estudante de Serviço Social da UFES. Funcionário público. Militante do MTL e do PSOL-ES.

Quando Valdinei me ligou na segunda feira de manhã pedindo ajuda, pois a desocupação estava próxima, eu sabia que a semana ia ser muito corrida, só não imaginava o que estava por vir.

Chegamos em “Nova Esperança” terça a noite o clima no local era de muita tensão, pois de fato uma guerra estava para começar. Fizemos uma reunião de 2 horas com a coordenação para tentar colocar as idéias em ordem, depois realizamos uma assembléia com os moradores às 3hs onde discutimos o que poderíamos fazer. As 3h da manhã mais de 300 pessoas, aflitas e incertas do que aconteceria naquela manhã, se levantaram para debater o futuro daquela ocupação.
De manhã, quando a ação policial começou, começou a chover bombas de gás lacrimogêneo e tiros, crianças chorando e correndo sem saber para onde. Me senti um nada. Liguei desesperado pra Arthur e depois pro Lula (dos Direitos Humanos) dizendo que aconteceria uma tragédia ali se nada fosse feito para deter a Polícia Militar.

Neste momento sentia tristeza e indignação pelo que eu via a minha volta. Então, pensei em enviar mensagens da internet do celular para que as pessoas de Vitória pudessem saber o que acontecia ali em Barra do Riacho, mas fui detido por uns 15 policias do GAO, que me colocaram numa viatura quase esparcando e ficaram me xingando e fazendo pressão psicológica.

Meio dia chegou o presidente do Conselho de Direitos Humanos com sua equipe e eu pensei: "Agora a situação vai melhorar!" Mas enquando caminhávamos para conversar com o BME, fomos recebidos à balas e bombas novamente. Minha esperança de melhorias pra aquele momento acabou.

Nilson Aliprandi – Militante do MTL e do movimento comunitário de Carapina Grande.
Ao me dirigir para a barra do Riacho, fui ciente de que poderia esta acontecendo a retirada das famílias, confronto e tudo mais. Mas o que realmente estava acontecendo, já comecei a perceber no caminho quando recebi o telefonema do
Gustavo, me perguntando se eu já estava chegando pois ele tinha sido detido por policiais da GAO. Ali percebi que as coisas estavam ruins. Muitas viaturas de polícia paradas ao longo da estrada até a Barra do Riacho parando carros e pessoas que passavam por ali.
Cheguei e encontrei-me com ele, fora do local. Muitas pessoas feridas e cansadas, mas assim mesmo nos dirigimos contornando o bairro nova esperança.
Sinceramente companheiros, não sei descrever para vocês o que eu vi.
Mas ver na sua frente a quantidade de policiais, com todos os tipos de armas, escondendo as suas caras, sem dizer nenhuma palavra e ouvir somente o barulho do estampido das armas...
As pessoas já vinham e te cercavam, algumas tentando retirar qualquer coisa de sua casa, muitas nos perguntando “o que fazer?”
 
Eu e Gustavo tentamos procurar Tadeu, Jaime e Peruca em vão, ligávamos e nada, mal sabíamos que a quela altura já haviam sido detidos por policiais do GAO.

Pela Barra do Riacho muito movimento de policiais, que chegaram a me parar e revistaram o carro.



Erick “Peruca” – Militante do MTL

Sou peruca (Eric) e sou obreiro da missão Avalanche missões urbanas onde também dou aula de fé e política, sou membro da rede fale e militante do MTL.  Através deste relato venho descrever talvez as cenas mais tristes e horríveis que já presenciei em anos de militância. nem mesmo em outros países conhecidos pela repressão policias, como o Chile, presenciei tal coisa.

 Na madrugada de ontem(18 de maio) cheguei em Aracruz, onde havia uma ocupação urbana com 1600 pessoas e 510 crianças. A ocupação “nova esperança” existe a cerca de 1 ano e havia rumores que o batalhão de missões especiais BME chegaria às 4 da madruga e derrubaria todos as casas e prenderiam lideres, mas nada foi divulgado oficialmente. Aas empresas vizinhas a ocupação deram folga aos funcionários, os ônibus não rodaram, escolas fechadas, alguma realmente muito errada estava rolando,
Quando cheguei lá, a situação era de angústia, pois o povo temia o que podia acontecer, às 2 da manhã, um incêndio bem próximo a ocupação deixou o clima ainda mais tenso. A fumaça cobriu todo o lugar e o medo imperou. Pela manhã não ouve dialogo. A invasão da policia começou bem cedo, e foi a mais violenta possível.
Muita gente chorando, crianças feridas, idosos se arrastando pelo chão. Aleijados tomando tiros de borracha.
Logo apos chegou o GAO, uma espécie de BOPE daqui, armado com fuzis e sub metralhadoras. Me pegaram com mais 2 amigos e fomos duramente esculachados. Por sorte fomos liberados. A imprensa toda levou balas de borracha, em num momento, mesmo de joelhos e de mãos para cima, descarregaram bala de borracha em mim. Saí correndo e me escondi por alguns minutos atrás de uma das casas pois havia sido atingido também.
Essa operação é um indício do enrijecimento do sistema. Desde o início do ano viemos lidando com a truculência da PM e a exposição extravagante de seu aparato repressivo.
As casas foram derrubadas com as coisas dos moradores dentro. Uma senhora querendo pegar seu remédio foi impedida a tiros e bombas, posteriormente soube de sua morte. Muita gente dormiu na rua, em garagensde amigos e se virou como pode. Muitas famílias estão numa quadra sem assistência da prefeitura.


Felipe Jaime – Militante do MTL e do grupo Avalanche
Estive em Aracruz acompanhando o processo de desocupação do Bairro Nova Esperança. Durante a noite a polícia ficou fazendo ronda nos arredores do bairro e ameaçando pela viatura os militantes que faziam a segurança nas portarias de entrada do Bairro.
Os moradores ficaram apreensivos pois a polícia  ‘’BME ‘’ e ’’GAO’’ estava  fortemente armada. Contava também com a cavalaria, cachorros, vários ônibus de apoio e helicóptero.
Como forma de mostrar para a polícia que não reagiriam à ação, os moradores se ajoelharam, o que não comoveu a PM que seguiu para cima atirando e jogando bombas de dispersão.
A ação da polícia durou cerca de 4 horas, gastando incontáveis bombas e balas, muito superior à quantidade total de moradores. Os policiais do BME chutavam as portas das casas e entravam, mas não para retirar os pertences das pessoas antes que a máquina derrubasse as casas, mas para procurar pessoas escondidas dentro de suas casas.
Nós que compomos os blocos de resistência dentro do Bairro, recebíamos ataques fulminantes das armas dos policiais nos escudos que segurávamos feitos com tampas de caixas d´água. No final, quando saímos do Bairro para procurar o Gustavo, fomos detidos pela GAO, que nos colocou sobre uma viatura que estava a horas parada no sol, e por ali nos deixou cerca de 30 minutos, enquanto esvaziavam nossas bolsas, nos revistavam e nos xingavam de vagabundos e coisas impublicáveis.

Tadeu Guerzet – Coordenação Estadual do MTL
Acompanhamos a área de resistência popular “Nova Esperança” desde Setembro. Vimos o bairro crescer, e estávamos quando caiu.
Antes que a polícia chegasse eu estava meio inquieto. Conversava com as pessoas reclamando de tudo: “Ta faltando gente aqui, ta faltando material de defesa aqui, ta faltando tempo para organização, ta faltando...” E a resposta que todo mundo me dava era: “Calma que Deus garantiu essa terra aqui para a gente”. Uma fé inabalável mesmo diante de uma desproporção como aquela.
Achei as imagens dos jornais fortes, mas não chegaram perto de expressar o que estava acontecendo lá. Uma força policial absurda, moradores que explodiam de desespero.
Para nós, parece que a ação demorou 10 minutos. Tudo muito rápido. Na maior parte das vezes as perguntas que nos faziam era a respeito de suas escassas coisas adquiridas com trabalho duro. Todas as casas foram construídas pelas próprias mãos de seus moradores. Sem dinheiro público (nem dinheiro legal e nem o ilegal).
Acho que a sociedade precisa dar uma resposta dura ao governador do ES e ao prefeito corrupto Ademar Devens. Uma resposta que signifique um basta nas ações de despejo forçado e um basta a agressão policial sobre famílias desarmadas.

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