quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Mumia Abul_Jamal fora do corredor da morte!!


A batalha judicial já se prolonga há 30 anos e no dia 7 de dezembro a procuradoria de Filadélfia anunciou que Múmia Abu-Jamal, que tinha sido condenado à pena de morte, não será executado. Múmia Abu-Jamal é um dos mais célebres condenados nos Estados Unidos, o seu caso desencadeou diversas campanhas a favor da sua libertação. É acusado de ter morto um polícia, Daniel Faulkner, a 9 de Novembro de 1981, quando era militante do movimento revolucionário Black Panthers pela defesa dos direitos dos negros nos EUA. O antigo jornalista, hoje com 57 anos, irá continuar detido. O que a procuradoria de Filadélfia anunciou foi que retirou o apelo para que fosse executado. “Abu-Jamal já não será condenado à morte, mas ficará na prisão para o resto dos seus dias”, adiantou o procurador Seth Williams, que adiantou não ter “nenhuma dúvida” de que foi Múmia Abu-Jamal quem disparou sobre Faulkner.  “A procuradoria fez o que já devia ter feito. Após 30 anos, já era altura de pôr fim a esta procura pela pena e morte”, congratulou-se a NAACP, uma das principais organizações de defesa dos direitos cívicos dos negros nos EUA. “A justiça foi feita uma vez que a condenação à morte por um júri mal informado foi anulada”, adiantou a advogada de Múmia Abu-Jamal, Judith Ritter. O caso de Abu-Jamal atravessou fronteiras e tornou-se um símbolo da luta contra a pena de morte nos EUA. Existe uma página na Internet que lhe é dedicado (FreeMumia.com) e para esta sexta-feira, dia em que faz 30 anos que foi detido, estava já prevista uma manifestação em Filadélfia. 

Múmia Abu-Jamal: pantera negra enjaulado

Na cela de segurança máxima do americano Múmia Abu-Jamal, de 57 anos, a luz nunca se apaga. Câmeras monitoram todos os seus passos. Preso na State Correctional Institution Greene, no estado da Pensilvânia, ele aguarda a execução desde 1982. Foi condenado à morte pelo assassinato do policial Daniel Faulkner na Filadélfia, em 9 de dezembro do ano anterior. Mesmo isolado, Múmia (ou Wesley Cook, seu nome antes de se converter ao islamismo) continua com a atitude militante que tinha no final dos anos 60, quando aderiu ao Partido dos Panteras Negras – movimento radical pelos direitos dos negros que, algumas vezes, entrou em conflitos sangrentos com policiais americanos. Naquela época, começou a trabalhar como jornalista – por criticar a situação dos pobres e das minorias nos Estados Unidos, ficou conhecido como “a voz dos que não têm voz”.
Enquanto busca um novo julgamento, Múmia grava programas semanais de rádio e continua escrevendo. A autorização para que ele receba a injeção letal já foi dada duas vezes, mas a pressão internacional e o trabalho de seu advogado conseguiram adiar a execução indefinidamente – sua defesa alega inocência e diz que ele foi condenado por suas idéias políticas. Em 2003, a luta de Múmia rendeu-lhe o título de cidadão honorário de Paris (antes dele, o último a receber a rara homenagem tinha sido o pintor espanhol Pablo Picasso, em 1971). A seguir, ele fala sobre os Panteras Negras, a condenação e a vida no corredor da morte. As respostas foram enviadas para História em duas cartas datilografadas, escritas dentro da cadeia.
História - Como você entrou no Partido dos Panteras Negras?
Múmia Abu-Jamal - Eu estava com uns 14 anos e nunca tinha visto nada igual. Os caras mostravam uma atitude desafiadora com o mundo e protetora na comunidade negra. Eles tinham um apelo enorme com os jovens. Quando me dei conta, eu estava me vestindo como eles, falando como eles, trabalhando com eles. Aos 15 anos, enfrentava o governo e todo o sistema opressor com minhas palavras. Lia muitos livros e escrevia para toda a comunidade sobre a violência da polícia local, o capitalismo americano, o racismo etc. Logo virei o responsável pela comunicação do Partido dos Panteras Negras na Filadélfia. Produzia, escrevia, editava e cuidava da distribuição do jornal do partido ao lado de outros jovens. A gente vendia cerca de 150 mil cópias por semana nos guetos. Fizemos uma revolução. Viramos um grande incômodo para a polícia.
Os Panteras Negras foram chamados de revolucionários. Vocês tinham a sensação de estar participando mesmo de uma revolução mundial?
A gente se identificava com toda luta antiimperialista e tentava trocar apoio e impressões, dentro das limitações tecnológicas da época. O partido tinha uma ligação forte com Cuba. Alguns membros viajaram para o exterior e também recebemos visitantes. Todos os líderes comunistas do mundo eram grandes influências. Alguns livros, como o Livro Vermelho de Mao Tsé-Tung, viraram referência. Não tenho dúvida de que o partido me deu uma educação internacional – Huey (Huey P. Newton, que fundou o partido ao lado de Bobby Seale na Califórnia em 1966) diria “intercomunitária”. Não trocaria aquela experiência por nada.

Na sua opinião, quais foram os erros do partido?
Nossos erros foram muitas vezes provocados pelos egos, pelas paixões, pela falta de compaixão entre os membros do partido. Eu realmente acho que a separação de Huey e Eldridge poderia ter sido evitada se, em vez de falarem um do outro, eles falassem um com o outro (Eldridge Cleaver, fundador da sede internacional dos Panteras Negras, se desentendeu com Huey Newton em 1971. Cleaver queria continuar pregando a luta armada, enquanto os fundadores do grupo defendiam uma postura mais pacífica). Essa separação foi seguida de outras separações que acabaram com a organização – além das forças externas que nós, de várias maneiras, permitimos que entrassem no partido. Também errei ao deixar o partido prematuramente, depois de ficar enojado com as lutas internas. Se eu e alguns outros continuássemos unidos por mais alguns anos, a história do partido seria diferente. Os negros americanos teriam uma grande revolução alternativa para representar seus interesses. Mas é difícil saber o quanto resistiríamos. No caso Malcolm X, por exemplo, o Estado teve um papel importante na briga entre ele e a Nação do Islã e no próprio assassinato dele. Li arquivos do FBI que foram abertos ao público em que se pode concluir que o Estado jogou para isolá-lo e dar um fim à vida dele.
O que aconteceu em 9 de dezembro de 1981, data do assassinato do policial pelo qual você foi condenado?
Estava trabalhando de madrugada, no meu táxi, quando vi um policial agredindo meu irmão e decidi me aproximar (Danny Faulkner parou William Cook, que estava dirigindo um fusca na contramão com os faróis apagados às 3h50 da manhã, numa área de bares e boates). Não tinha outra opção. Não poderia seguir em frente depois de ver alguém batendo no meu irmão. E então aconteceu uma série de injustiças que culminaram com a minha condenação (segundo testemunhas, William foi agredido brutalmente e Múmia trocou tiros com Faulkner. Um outro homem estaria envolvido na briga, mas teria fugido do local antes da chegada dos policiais que prenderam Múmia e nunca foi achado. Múmia levou dois tiros e teve hemorragias no pulmão e no fígado).
Como foi o julgamento?
Não pude fazer minha própria defesa, fui expulso do tribunal e tive que aceitar um defensor público que sequer me perguntou o que aconteceu naquela madrugada – e também não falou com as testemunhas. O júri era racista e me condenou. Depois meus direitos constitucionais foram violados porque eu nunca pude recorrer.
Qual a situação atual do seu caso?
Conseguimos adiar minha morte duas vezes, mas não conseguimos um novo julgamento ainda. No começo deste ano, o meu advogado obteve uma vitória que pode levar a um novo julgamento e a minha liberdade. O caso agora parece estar andando mais rapidamente.
Como é a vida de um condenado à morte?
Há câmeras ligadas 24 horas por dia sobre a minha cabeça e não apenas porque eles temem que eu fuja. Elas estão ligadas para que os guardas monitorem tentativas de suicídio. Certamente todos os presos que um dia entraram no corredor da morte já pensaram em sucídio, por mais ridículo que isso possa parecer. Tenho duas horas por dia fora da cela. O corredor da morte, assim como a vida, é como você quer que seja. É um lugar de isolamento extremo e sua saúde mental depende muito de como você gasta seu tempo. Homens diferentes têm maneiras diferentes de lidar com a vida – ou, francamente, de falhar em lidar com a vida. Eu tento me manter sempre muito ocupado. Fiz faculdade de Psicologia e mestrado em História aqui dentro. Leio livros de história, ciência política, atualidades... Escrevo, estudo, pinto. Alguns caras gastam dias travando argumentos amargos com outros caras no corredor da morte. Alguns se perdem praticando esporte ou fazendo cultos religiosos. A alienação é um mal terrível. Quando fico sabendo que um político quer acabar com pequenos luxos, como TV e aparelhos de musculação na prisão, acho bom. Se os presos vivessem sem TV, livros, jornais, cultos, exercícios, eles passariam mais tempo na companhia de si mesmos e teriam mais consciência da realidade.
Você acha que os Estados Unidos são um país melhor ou pior do que aquele que você conhecia há 25 anos?
O jeito americano de aplicar a pena de morte nada mais é hoje do que uma forma moderna do linchamento nas árvores (tipo muito comum de assassinato cometido no sul dos Estados Unidos contra os negros – antes das reformas que lhes garantiram direitos civis, nos anos 60). Mudou a tecnologia, mas ainda temos o mesmo espírito de mentiras sangrentas por baixo da máscara. É por isso que o corredor da morte é tão negro e, cada vez mais, pardo.
Na sua opinião, os americanos ainda são racistas?
Se eu disser que sim, é apenas a opinião de um cara. Mas estudiosos que têm olhado para a questão também têm chegado à mesma conclusão. A toxina da escravidão deixou marcas profundas na alma americana. Até o presidente Bush disse há pouco tempo (no dia 20 de julho, na Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor, nos Estados Unidos) que racismo e discriminação são uma mancha na América. É impossível achar uma figura histórica que não tenha explorado o trabalho de negros, a vida, a saúde e a esperança de nossa gente para fazer um altar próprio de lucros. George Washington, Thomas Jefferson, James Madison, Patrick Henry, que talvez os brasileiros não conheçam, mas está em todos os livros escolares daqui (Henry foi um importante líder da independência americana). Ele fez um agitado discurso revolucionário: “Me dê liberdade ou me dê a morte!”. Claro que isso não se aplicava aos escravos dele.
Em todo o mundo, milhares de pessoas torcem para vê-lo livre da prisão. Até no Brasil, no fim dos anos 90, manifestantes fizeram cartazes a favor da sua liberdade. Onde você gostaria de viver ao deixar a prisão?
Penso muito sobre isso. Definitivamente não vou ficar nos Estados Unidos. A França tem me dado muito apoio e é claro que eu também penso nos países da África. Adoraria conhecer Gana, Nigéria, Quênia... Só para mencionar alguns. Quanto ao Brasil, quando eu penso no seu país, as primeiras imagens que me vêm à cabeça são óbvias: as lindas mulheres, o Rio de Janeiro, o Carnaval etc. Mas o Brasil também me faz pensar em outras coisas. É o país que tem a maior comunidade negra fora da África, que tinha Palmares e que tinha Zumbi. Eu penso nos orixás, no candomblé, nas criações dos povos africanos. Deve ser um país bonito.
Como o seu relacionamento com Wadiya, sua esposa, resiste ao corredor da morte?
Eu a amo como amava 25 anos atrás. Nós não estamos juntos porque temos que estar juntos, estamos juntos porque queremos. Um relacionamento sem nenhum contato físico é difícil de entender e de explicar. Mas eu poderia dizer que continuamos totalmente conectados. É assim que eu sinto.
Depois de quase um quarto de século no corredor da morte, você ainda acredita que vai sair daí vivo?
Nunca deixei de acreditar na liberdade. Nem por um segundo.

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